sábado, 27 de agosto de 2011

S.O.S. PARA UM JARDIM NO INVERNO


Socorro, o inverno está assassinando o jardim! O susto é tanto que até ponto de exclamação usei. E uma coisa em mim diz olha, pedir socorro neste caso é inútil, ninguém pode ajudar. E outra coisa acrescenta como assim assassinando? Dito desse jeito o inverno não parece algo fatal, natural, inevitável, mas uma espécie de desastre ecológico. Ora, considere, inverno — ou verão ou primavera ou chuva ou ventania ou lua cheia — ou qualquer outro desses, digamos, fenômenos naturais — acontece a tudo e todos, sejam jardins, pássaros, homens, árvores, pedras e o imenso etc. que abrange essa vastidão que sintetizamos singelos como “o mundo”. Ou pelo menos o mundo das coisas visíveis, já que no das invisíveis a gente não sabe mesmo o que se passa. Ou sabe? Alguns dizem que sim. Será?
Mas estou me dispersando. O que quero dizer, com várias coisas dizendo outras coisas dentro de mim, com toda imprecisão e ambigüidade, e desta forma exata, não só com exclamação mas também com exagero da caixa alta, sinto muito, o que quero mesmo dizer é exatamente isto: SOCORRO, O INVERNO ESTÁ ASSASSINANDO O JARDIM!
É verdade, tenho provas. As rosas, por exemplo. Rosa, eu não sabia, é flor que não pára de florescer no inverno. As minhas pelo menos não, embora me lembre das “rosas de abril”, de Vinícius. Mas durante o inverno há botões nas rosas que não chegam a abrir, morrem antes, queimados pelo frio. Outros abrem e morrem no meio da abertura, em pleno ato de desabrochar, compreendem? É tristíssimo. E não é só isso. Há pragas inacreditáveis, assim na linha vírus Ebola, vindas não se sabe de onde, rondando para desabar sobre as plantas aterrorizadas. Caules que se tornam ocos, folhas que começam a amarelar e secar, manchas, e até uns grãozinhos duros que acabam se transformando em medonhas lagartas brancas minúsculas — como aconteceu a um jasmineiro tão jovem que não alcança sequer um metro de altura, e portanto este é seu primeiro inverno, portanto também não tem experiência desse tipo de guerra nem sabe como defender-se. Pois plantas mais antigas, suponho, são sabidonas, mesmo que saibam apenas o básico: que inverno passa. Acontece que meu jardim é quase todo de plantas muito jovens, marinheiras de primeira viagem. Inocentes, despreparadas.
E as formigas? Quanto mais rigoroso o inverno, mais usurárias ficam, naquela ansiedade de guardar, guardar, guardar. Em maio pensei que houvessem encerrado as atividades e, em suas casinhas abarrotadas, se preparassem para seu esporte de inverno preferido: sacanear cigarras. Nada: numa manhã de junho saíram todas à superfície para devorar uma begônia já grandinha, uma rosa-de-são-jorge (não sei como, é dura de roer), várias folhagens e um brinco-de-princesa já com quase dois metros, que estava sendo tramado até a sacada. Esqueci toda ideologia ecológica e fui de Baygon heavy metal pra cima delas. Santo remédio.
Desastres outros, poda-se o estrago com a tesoura, coloca- se vitamina na terra, água de alho e outros truques que, jardineiro de primeira viagem, também estou aprendendo neste Selvagem Embate Contra As Forças do Mal, assim mesmo em maiúsculas. Mas a luta continua. Fui obrigado a trazer para dentro de casa uma fragilíssima árvore japonesa da felicidade, no momento reduzida a uma minúscula folhinha verde. Cuido, olho, coloco no Sol, rezo. Há situações em que o máximo que se pode fazer é rezar. E esperar, claro, entre suspiros. Mais de meio julho e um agosto inteiro a atravessar. Conseguiremos resistir?
Até setembro. Sim, até setembro. Ah, até setembro.

O Estado de S. Paulo, 9/7/99
- Pequenas Epifanias

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